Financiamento das políticas públicas sobre drogas e os distintos modelos de referencial teórico na perspectiva do Sistema Único de Saúde
uma revisão integrativa
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1218Palavras-chave:
Financiamento da Assistência à Saúde, Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, Redução do Dano, Comunidade Terapêutica, Sistema Único de SaúdeResumo
A implementação do Sistema Único de Saúde – SUS e seu problemático financiamento estão inseridos num cenário de permanentes tensões políticas e econômicas. O financiamento público de programas, serviços e ações em saúde para pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e/ou outras drogas é componente fundamental junto às políticas públicas para a construção de uma rede de atenção psicossocial ampla que garanta uma assistência intersetorial, interdisciplinar e transversal, atendendo as necessidades particulares de cada indivíduo. Para a construção de uma prática assistencial que atinja esses objetivos é importante destacar o papel da Reforma Psiquiátrica (RP) no Brasil e a Lei n. 10.216/2001. Enquanto movimento social, a RP denunciou as precárias condições de trabalho dos profissionais na saúde mental e criticou as práticas manicomiais, excludentes e punitivas. Tem na Lei n. 10.216/2001, sua consolidação jurídica e política, dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental no Brasil. A Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, regulamentada pela Portaria n. 3.088/2011, estabelece a organização das ações e serviços em saúde mental. Em sua composição destaca-se a Atenção Psicossocial Especializada (Centros de Atenção Psicossocial – CAPS) e a Atenção Residencial de Caráter Transitório, subdivididas em unidades de acolhimento e serviços de atenção em regime residencial, dentre eles, as Comunidades Terapêuticas (CTs). Enquanto a Portaria n. 2.197/2004 do Ministério da Saúde, estabelece a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas (PAIUAD) norteando a prática assistencial para o modelo psicossocial, baseado na redução de danos e no cuidado em dispositivos extra-hospitalares de base territorial (CAPS ad), o Decreto Presidencial n. 9.761/2019 institui a nova Política Nacional sobre Drogas – PNAD da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, mudando o referencial teórico para o tratamento dos dependentes químicos, incentivando a abstinência como abordagem preferencial e o encaminhamento para internações prolongadas nas CTs, retomando um modelo manicomial. Após a aprovação da nova PNAD houve um crescimento da quantidade de vagas ofertadas e o aumento do repasse financeiro em contratos firmados entre o Governo Federal e as CTs. Essa mudança de referencial teórico e o deslocamento do financiamento público para o setor privado se consolida no atual governo federal, num contexto de grave crise política, econômica, sanitária e social, alinhada a lógica proibitiva e repressiva da legislação brasileira relacionada às drogas, na contramão da RP. Reacende o discurso manicomial e higienista, configurando mais um dos retrocessos da lógica de desresponsabilização do Estado, resultando num cenário de precarização e desmonte das políticas públicas para a assistência e cuidado à dependência química. O objetivo geral é examinar o financiamento das políticas públicas sobre drogas alinhado aos distintos modelos de referencial teórico na perspectiva do Sistema Único de Saúde brasileiro. Como objetivos específicos pretende-se identificar as transformações do financiamento das políticas públicas sobre drogas, analisar o alinhamento entre essas transformações do financiamento e os modelos de referencial teórico, avaliando avanços ou retrocessos na prática assistencial e o cuidado na dependência química. Revisão integrativa partindo da seguinte pergunta norteadora “O que a literatura científica brasileira apresenta sobre o financiamento das políticas públicas sobre drogas alinhado aos distintos modelos de referencial teórico na perspectiva do Sistema Único de Saúde no Brasil?”. Utilizou-se a terminologia padronizada Descritores/Termos sinônimos em Ciências da Saúde (DeSC) e os dados foram coletados no portal da Biblioteca Virtual da Saúde – BVS, em suas principais bases de dados (LILACS e MEDLINE). Definiu-se em 27/01/2022 a estratégia de busca final ("financiamento da assistencia a saude") OR ("financiamento dos sistemas de saude") OR ("financiamento governamental") OR ("organizacao do financiamento") OR ("financiamento") AND ("transtornos relacionados ao uso de substancias") OR ("reducao de danos") OR ("comunidade terapeutica") OR ("politica de saude publica") AND ("sistema unico de saude") OR ("saude publica"). Os critérios de inclusão foram publicações sobre o financiamento das políticas públicas sobre drogas no sistema único de saúde brasileiro, textos completos, idioma português e recorte temporal (2003 até 2021). Os critérios de exclusão foram ausência do tema financiamento das políticas públicas sobre drogas nas publicações sobre dependência química, dissertações de mestrado e teses de doutorado. A partir da estratégia de busca, recuperou-se 499 publicações. Após a importação das publicações para o programa computacional COVIDENCE, 11 duplicatas foram retiradas. Das 488 publicações submetidas à avaliação de títulos e resumos, 344 foram excluídos por títulos e 108 por resumos. Restaram 36 publicações para leitura dos textos completos, destas, 11 atendiam os critérios de inclusão e compuseram o estudo. Das 11 publicações incluídas, 06 discutem o financiamento e modelos de referencial teórico a partir da análise das políticas públicas para dependência química, enquanto as cinco restantes abordam o tema a partir das políticas públicas de saúde mental. O período de publicação dos estudos foi de 2009 até 2021, com destaque para os anos de 2011, 2020 e 2021, com duas publicações em cada. A categorização dos estudos parte do modelo de referencial teórico, onde o modelo psicossocial propõe o cuidado centrado no usuário e na multicausalidade associada ao uso de substâncias, enquanto o modelo manicomial foca na doença e na passividade do sujeito. Seis publicações sinalizam o deslocamento do financiamento público para setor privado e a transição do modelo psicossocial para modelo manicomial. Destas seis, quatro foram publicadas após a nova PNAD. A análise preliminar dos resultados confirma as transformações do financiamento e a transição do cuidado para o modelo manicomial. Tal fenômeno evoca a responsabilidade do Estado em assumir e fornecer melhores alternativas ao cenário assistencial para a dependência química, financiando a expansão e oferta de tratamento nos serviços públicos, com diretrizes bem estabelecidas e baseadas em evidências científicas.
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