O SUS diante do capitalismo dependente brasileiro
do subfinanciamento crônico ao desfinanciamento terminal
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1325Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde, Saúde Pública, Estado, Capitalismo, BrasilResumo
O Sistema Único de Saúde – SUS é fruto de lutas pela reivindicação da saúde como um direito fundamental e básico a ser provido pelo Estado brasileiro, tal como está posto na Constituição Federal de 1988. Essa luta envolveu no âmbito da sociedade civil, reivindicações de movimentos sociais a exemplo do Movimento Popular de Saúde – MOPS, que tinha como entendimento a saúde como dever do Estado, que deveria ser ofertada de modo público, igualitário e universal, com participação da sociedade civil na elaboração da política de saúde; e do amplo Movimento de Reforma Sanitária, que diante das mazelas sociais e das iniquidades historicamente existentes na formação econômico-social brasileira, buscaram fomentar uma política de saúde que atendesse de modo universal e integral a sociedade brasileira. Todavia, a promulgação da constituição em 1988, e a inserção da saúde como um direito não implicou, na concretude e materialização desse sistema, em garantias de seu pleno desenvolvimento, como evidencia o fenômeno do subfinanciamento e desfinanciamento. Nesse sentido, temos por hipótese que o subfinanciamento e o desfinanciamento não seriam meros fenômenos ligados à gestão de recursos, mas fazem parte de uma economia política que tem por dínamo os processos inerentes à caracterização e estruturação do capitalismo tal como ele se materializou no Brasil. Dessa forma, metodologicamente, subdividimos nossos procedimentos em duas partes conectadas: i) levantamento de informações via artigos científicos e capítulos de livros, e dados financeiros relativos aos recursos efetivamente gastos em ações e serviços públicos de saúde (ASPS); ii) de posse desse construto empírico, analisamos com base na Teoria Marxista da Dependência – TMD, em especial nas reflexões de Ruy Mauro Marini, a conexão entre dependência e tais fenômenos, que são inerentes a constituição de nossa formação econômico-social. Desde a década de 1990 presenciamos o fato de que, mesmo o SUS possuindo legislativamente um caráter universal, seu financiamento apresenta contradições quando comparados a países com estruturas semelhantes. Percebemos que os gastos privados possuem uma grande concentração através do setor suplementar, e que o Governo Federal não consegue ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto – PIB com ASPS. Esse movimento foi observado em distintos governos, passando por Fernando Henrique Cardoso (FHC); e governos Lula e Dilma. Em 2016 temos um ponto de clivagem considerável com a EC-96/2016 do governo Temer. Essa Emenda acabou retirando recursos do SUS numa lógica de contenção de gastos públicos para realizar o ajuste fiscal. Entre os anos de 2018 e 2022, de acordo com informações da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES, o sistema perdeu cerca de R$37 bilhões. Para o ano de 2023 a estimativa é que ocorra uma perda de R$23 bilhões, totalizando no decorrer desses seis anos um total de R$60 bilhões. Ao observarmos esses dados mediante uma interpretação com base nos textos de Ruy Mauro Marini, observamos que a dificuldade de efetivação do SUS em termos de financiamento se apresenta pela própria articulação que existe entre um Estado capitalista dependente, que diante de classes e frações de classes autocráticas, reproduzem um movimento de rapina dos recursos públicos, a exemplo do Fundo Público, para o provimento de juros e encargos da dívida pública, que em tese, não apresentam contrapartida material para as classes trabalhadoras. Somado a isso, entendemos também que a Frente Ampla formada para derrotar o governo Bolsonaro nas últimas eleições de 2022 não estancou esse processo, no qual o Regime Fiscal Sustentável – RFS, denominado de novo arcabouço fiscal, organizado pelo governo Lula apresenta implicações diretas no financiamento do SUS, tendo em vista que transforma o piso federal do SUS de 15% da receita corrente da EC 86/2015, em teto. Se na aparência esses fenômenos nos aparecem como elementos relacionados às cifras e ausência de recursos, avaliamos que, do ponto de vista da totalidade capitalista e de uma economia constituída nas cadeias globais de produção, esse dilema e limite do SUS implica na própria impossibilidade de, através do capitalismo o sistema ter uma plena viabilidade. Devido ao nosso caráter dependente, observado desde um desenvolvimento desigual e combinado, as políticas sociais na América-Latina, e no Brasil, apresentam como embargo a lógica capitalista da contemporaneidade, que tem na financeirização das políticas sociais e no aprofundamento do neoliberalismo, a manutenção de uma lógica redutora da saúde pública no Brasil, e maior fortalecimento do capital, mesmo na Pandemia de COVID-19, como observamos com a gestão bolsonarista da pandemia de COVID-19, altos índices de óbitos na população negra e trabalhadora, ou subempregada. A manutenção dessa lógica implica no aprisionamento do SUS numa sociabilidade capitalista, que tem na saúde um sinônimo de mercadoria e fonte de lucro, e no próprio Estado como efetivador dessa lógica.
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Referências
FUNCIA, F. Novo Arcabouço Fiscal e Financiamento Federal do SUS. DOMINGUEIRA Nº 16 - MAIO 2023. Disponível em: http://idisa.org.br/domingueira/domingueira-n-16-maio-2023. Acesso em: 29 mai. 2023.
MARINI, R.M. Subdesenvolvimento e revolução. Digitaliza Conteudo, 2023.
MENDES, Á. N. Tempos turbulentos na saúde pública brasileira: os impasses do financiamento no capitalismo financeirizado. 2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
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