A saúde pública brasileira em meio à forma política capitalista
reflexões a partir do debate derivacionista do Estado
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1199Palavras-chave:
Estado, Capitalismo, Saúde Pública, Política Pública, Sistema Único de SaúdeResumo
A questão da saúde pública no Brasil, e especificamente do Sistema Único de Saúde - SUS, só pode ser compreendida dentro dos marcos da formação econômico-social brasileira e pela identificação das particularidades do Estado. Em meio à essa perspectiva, entender os limites da formatação dessa política de saúde, para além das concepções reducionistas da gestão, que não deixam de ser importantes, mas que limitam o debate ao aspecto institucionalista, se faz importante para que se possa avançar em proposições que considerem os limites concretos da plena materialização do SUS, indo à raiz das questões de modo a problematizá-las. Diante dessa premissa, o presente trabalho tem por objetivo refletir a respeito dos limites do SUS, especialmente seu subfinanciamento crônico e desfinanciamento a partir do campo teórico da derivação do Estado. Trata-se de uma reflexão inicial que busca entender de que forma podemos pensar tais limites a partir de uma lente teórica genuína e que compreende o Estado de modo dinâmico e complexo a partir de sua interconexão com a sociabilidade capitalista. Nesse sentido, para o alcance de nosso objetivo, lançamos mão de um levantamento bibliográfico sobre o tema, mais precisamente a respeito da presença do debate sobre o Estado dentro da leitura marxista de modo a entendermos, a partir dessa lente, os limites para a compreensão dos gargalos existentes no SUS, com destaque para aqueles ligados à Economia Política da Saúde: o seu subfinanciamento crônico e desfinanciamento. A esse modo, ao contrapormos as diferentes leituras com o debate derivacionista do Estado, entendemos que este busca superar uma visão reducionista do Estado como um instrumento das classes dominantes a partir dos escritos de Marx e Engels, promovendo um nexo entre as categorias econômicas abordadas por esses autores, e a função estrutural/estruturante do Estado para o modo de produção capitalista. Ao levar em consideração uma construção epistemológica que procura superar o Estado como simples superestrutura do campo econômico, ou como vulgarmente se coloca como um reflexo mecânico da Economia sob dominância das classes dominantes, esse debate também procura dialogar com as proposições de autores como Nicos Poulantzas e Ralph Miliband, que ficaram conhecidos na década de 1970 pelas investigações acerca de uma teoria marxista e política do Estado, bem como, com o debate sobre a autonomia relativa do Estado frente às frações de classe que compõem o bloco no poder num determinado período histórico e em determinada formação econômico-social. Desse modo, os autores localizados no debate da derivação compreendem que a sociabilidade capitalista e as formas sociais são derivadas a partir da forma mercadoria, categoria explicada por Marx em “O capital”. Em que pese o fato de que, dentro do próprio debate existam considerações heterogêneas a respeito das especificidades nas análises, a exemplo de autores como: Wolfgang Müller, Christel Neusüß, Elmar Altvater, Joachim Hirsch, Bernhard Blanke, Ulrich Jürgens, Freerk Huisken, Margareth Wirth, Claudia Von Braunmühl, Heide Gerstenberger etc., e as primeiras sistematizações do debate realizadas fora da Alemanha, especialmente no Reino Unido por intelectuais como John Holloway, Sol Picciotto, Bob Jessop, Werner Bonefeld e Simon Clarke e no Brasil com a exposição realizada pelos trabalhos de Alysson Mascaro, Márcio Bilharinho Naves e Camilo Caldas, entendemos que uma das principais características desse debate seria a designação da forma política estatal derivada das relações sociais capitalistas. A forma política social, que pode ser distinta a partir da forma como o capitalismo foi se conformando em cada formação social, se constrói mediante as contradições das próprias relações sociais de exploração vinculadas à acumulação de capital. Ao trazermos essa conotação para o estudo do SUS e de seus gargalos, a exemplo do sub/desfinanciamento, é preciso localizar essa política dentro de um limite inerente ao Estado brasileiro, que numa formação social dependente, não conseguiu desde 1988, prover centralidade da saúde para além da forma mercadoria, abrindo espaço para a acumulação capitalista mediante o setor privado, além da própria ausência de posições concretas acerca das fontes de financiamento do SUS. Esse debate também se enquadra na delimitação resultante da atuação política entre o movimento sanitário brasileiro e a necessidade de colocar a saúde num campo estratégico que supere o dilema reformista, uma vez que a forma política do Estado brasileiro, blindado às necessidades das classe trabalhadoras e grupos subalternos relega ao SUS um espaço cada vez mais periférico mediante a contradição inerente à valorização do valor, a exemplo do Programa Previne Brasil na Atenção Básica à Saúde, e pela gestão da crise sanitária de Covid-19 realizada pelo Governo Bolsonaro. A partir da leitura crítica e reflexão acerca dos principais pontos de destaque nesse debate, observamos a necessidade de aprofundarmos as leituras em tornos de questões como: a) investigar a contradição entre implantar uma política como o SUS em meio à ausência de um debate sobre a economia política da saúde que leve a reboque a forma política do Estado brasileiro; b) alçar o debate da saúde pública de modo a entendê-la para além do campo institucional, como um elemento estratégico para o avanço de mudanças estruturais que superem a forma mercadoria com que a saúde tem sido tratada; c) retomar o debate da reforma sanitária brasileira, de modo crítico, na tentativa de buscar embasamento teórico a partir de uma experiência concreta e avançar em direcionamentos que conjuguem a reflexão sobre reforma-revolução, entendendo a saúde como um elemento integralizado num marco total por relações sociais de produção derivadas, no capitalismo, de sua forma mercadoria e da valorização do valor.
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