O Estado brasileiro no contexto das crises do capitalismo dependente
mercantilização da saúde pública via organizações sociais
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1371Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde, Saúde Pública, Estado, Capitalismo, BrasilResumo
Na ofensiva contra o Estado intervencionista e de bem-estar social que concedeu muitas medidas protecionistas à classe trabalhadora, as ideias propostas por Hayek no livro “O caminho da servidão” começaram a ser adotadas como a reação teórica e política contra essa intervenção, através de um conjunto de receitas econômicas e programas políticos adotados a partir dos anos 1970. Assim, uma contrarreforma se tece nos ajustes estruturais de orientação monetarista e neoliberal dos planos econômicos, sociais e burocrático-institucionais, condição imposta para receber os empréstimos e os investimentos produtivos dos capitais financeiros e das multinacionais para a inserção de países, em especial os dependentes, na dinâmica do capitalismo contemporâneo. Na América Latina, esses ajustes estruturais delinearam mudanças de curto prazo através de políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado, com o objetivo de resolver os problemas do déficit fiscal, pois reduziriam os gastos públicos através de uma política monetária restritiva para combater a inflação. Dessa forma, para fortalecer a mundialização do capital, se impôs um conjunto de reformas econômicas de ajuste estrutural, com abertura das economias nacionais, desregulamentação dos mercados e flexibilização dos direitos trabalhistas. Para Laurell, as estratégias da implantação da política neoliberal passam por, principalmente, cortar os gastos sociais, privatizar estatais, centralizar gastos sociais públicos em programas seletivos contra a pobreza extrema, que podem ameaçar ao sistema. A inicial adesão brasileira às recomendações neoliberais deparou-se com as condições internas, momento em que estava presente o processo de Constituinte, que de um lado presenciávamos forças a fim de evitar uma Constituição com vontade popular radicalizada e, de outro, forças disputando a hegemonia por avanços em direitos sociais e políticos. Fato é que, prevaleceram na Constituição Cidadã de 1988 os acordos estabelecidos e articulados pelo chamado “centrão” político, sendo uma transição conservadora sem ousadias e turbulências como aponta Fernandes. Os governos dos anos 1990 (Collor e Fernando Henrique Cardoso (FHC)) adotaram medidas macroeconômicas que tencionavam reverter emergencialmente o grave quadro inflacionário que se arrastava desde os anos 1980, recorrendo ao abuso na utilização das medidas provisórias. Todavia, foi na segunda metade da década de 90, no governo de Fernando Henrique Cardoso sob a direção intelectual de Luiz Carlos Bresser Pereira enquanto Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, que se expressa o projeto institucional direcionado a privatizar a economia nacional, realizar uma contrarreforma do Estado centrada no funcionalismo público, restringindo os direitos previdenciários conquistados historicamente com a finalidade de abrandar a crise fiscal do Estado e, gerar poupança para alavancar o crescimento econômico. Tal projeto “reformista” do governo de FHC se estrutura a partir da elaboração de um plano em 1995 que compila um conjunto de esforços constitucionais para uma nova faceta do Estado, nomeado de “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”. As mudanças na forma jurídica do Estado brasileiro via “administração gerencial” em substituição do modelo tradicional estabelecido através da administração direta para a execução de serviços públicos de saúde se iniciam com a experiência da Fundação das Pioneiras Sociais, em que a Lei Federal 8.246/1991autorizou ao Poder Executivo celebrar contrato de gestão com a referida entidade, com atuação restrita à área da saúde e gestão supervisionada pelo Ministério da Saúde. Na esteira dessa experiência se inspirou a criação da Lei Federal 9.637/1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais (OS), a criação do Programa Nacional de Publicização, institucionalizando e inserindo no ordenamento jurídico a gestão dos serviços públicos de saúde pelas entidades privadas “sem fins lucrativos”, através de contratos de gestão. O modelo de gestão por OSs apresenta diferenças processuais significativas em relação a gestão pública na prestação de serviços, as quais consideramos problemáticas. A destacar estão: a) as aquisições de serviços e compras não estão sujeitas à Lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública; b) a relação com a força de trabalho, no qual a seleção, contratação, manutenção e desligamento regem às normas e a plano de cargos e salários regulamentares de cada OSs, não estando circunscritos à concurso público, gerando alta rotatividade e não fortalecimento de vínculos com a comunidade que acessa o serviço, elemento importante para a saúde pública, por exemplo; c) as condições de trabalho são permeadas por cumprimento de metas com mecanismos de controle finalísticos, ao invés de processuais, como no caso da administração direta; d) autonomia de execução orçamentária, financeira e contábil dos recursos consignados pelo contrato de gestão, podendo inclusive fazer aplicações de saldos no mercado financeiro. No mais, há diferentes formas de implementação de mecanismos de mercado no funcionamento do sistema de saúde. Tais contrarreformas mercantis, justificadas a partir da premissa de que a inserção da lógica de mercado poderia tanto diminuir a necessidade de gastos públicos, como aumentar a eficiência dos existentes se expressam em forma de mercantilização explícita e implícita. Na mercantilização explícita envolve direta transferência de responsabilidade do setor público para o privado, ampliação de participação de recursos privados como copagamentos e a privatização stricto sensu. Na mercantilização implícita ocorre a incorporação de princípios advindos do setor privado no sistema público, tanto no financiamento, quanto na prestação dos serviços de saúde, caracterizando-se pela adoção crescente de uma lógica de atuação privada por parte do setor público. Assim, o setor privado no sistema de saúde brasileiro não é um agente novo. O sistema jamais teve caráter estritamente público, tampouco fora nos países de capitalismo central como Alemanha, França e Reino Unido, entretanto, os diversos mecanismos que foram adotados, representam uma alteração qualitativa e quantitativa da presença privada e da lógica de mercado nos sistemas públicos de saúde na adoção de parcerias público privado-privadas (PPP) sendo responsável pela concepção, construção e operação de serviços de saúde. A mercantilização implícita no sistema de saúde brasileiro vem se consolidando principalmente pelas OS, modelo de gestão largamente disseminado nos estados e municípios do Brasil.
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Referências
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