O debate sobre o estado capitalista para compreender os limites da saúde pública brasileira à luz de Simon Clarke
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1276Palavras-chave:
Estado, Saúde Pública, Capitalismo, EconomiaResumo
A crise capitalista no mundo, acrescida da crise da forma-Estado no Brasil, intensificada pelas políticas econômicas ultraneoliberais do governo de Bolsonaro, vêm assegurando o contínuo processo de desmonte dos direitos sociais e, particularmente da saúde pública. Além das diversas ofensivas contra a Atenção Primária à Saúde desde 2020, com destaque para a nova forma de alocação dos recursos federais do Sistema Único de Saúde – SUS para os municípios, deve-se ter particular atenção para a introdução e funcionamento da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde – ADAPS que passa a vigorar em 2022, no sentido da privatização do SUS. Assim, torna-se fundamental aprofundar a discussão sobre o Estado capitalista e os limites de suas políticas públicas, em especial, a da saúde. Para tanto, o conhecimento das contribuições de Simon Clarke no seu livro “O Debate sobre o Estado” torna-se incontornável. Esse autor apresenta uma coleção de documentos que aborda o debate sobre o estado capitalista, desenvolvido durante a década de 1970 em grupos de trabalho da Conferência de Economistas Socialistas – CSE. O propósito deste estudo é apresentar suas contribuições referentes ao primeiro capítulo, destacando pontos que possam de forma sucinta reviver a compreensão do capitalismo e do Estado, adquiridos durante as décadas keynesianas. A ideia é aproximar o leitor deste debate tão profícuo na década de 1970 e com reverberações nos dias de hoje. O debate sobre o Estado desenvolveu-se em oposição a duas teorias do Estado dominantes na esquerda nos anos 1960, a teoria marxista ortodoxa do Capitalismo Monopolista de Estado e a Teoria Social-Democrata de Estado. Por um lado, a teoria do capitalismo monopolista subestimou a autonomia do Estado; por outro, a teoria social-democrata subestimou os limites dessa autonomia. Portanto, era essencial uma teoria mais alinhada com a natureza e os limites do poder do Estado Capitalista. A crítica alemã baseou-se não tanto nos interesses econômicos servidos pelo Estado, mas na forma repressiva e burocrática da administração pública e no materialismo individualista da cultura burguesa, expressa e reproduzida pelo Estado. A tarefa era explicar a forma particular do Estado Capitalista. Nesse sentido, inspiraram-se nos argumentos de Habermas, de Offe e da Escola de Frankfurt. O erro que é compartilhado por algumas dessas teorias é compreender que as dimensões econômicas, políticas e ideológicas são distintas e independentes, quando não são. A separação ideológica e institucional emerge das lutas pela sua reprodução, de modo que são formas complementares de uma única relação social. Assim, essas formas são derivadas das categorias mais fundamentais das relações sociais de produção. Entre os teóricos derivacionistas do Estado, destaca-se a visão da teoria materialista do Estado de Joachim Hirsch, no qual defende que a reprodução das relações sociais capitalistas de produção pressupõe a separação contínua do econômico e político, ainda que apenas na aparência. Esse autor insiste na relação orgânica entre o Capital e Estado. Isso não é o caso de Poulantzas. A sua teoria do Estado teve como ponto de partida a insistência na especificidade e na autonomia relativa do Estado. O trabalho de Poulantzas foi relevante, porém suscitou bastante controvérsias entre os integrantes da CSE. Esse debate culminou pensar sobre o papel econômico e político do Estado no capitalismo moderno. Nesse sentido, refletiu-se sobre as necessidades funcionais do capital, mas também sobre o equilíbrio das forças de classe. A crescente crise dos gastos do Estado e os limites da social-democracia ficavam cada vez mais claro a partir do final da década de 1970, consequentemente colocavam em xeque todo o tipo de teoria funcionalista do Estado (instrumentalista ou estruturalista; keynesiana ou mesmo marxista funcionalista). Essas divergências posicionaram os “neo-Ricardianos” contra os “fundamentalistas”. Embora tivessem suas diferenças, ambas as abordagens baseavam em uma concepção economicista estreita da crise e da luta de classes e uma visão monolítica de classe. Ao final da conferência de 1975, houve a necessidade de ampliar o debate e explorar novos rumos sobre o processo de trabalho. A partir dessa necessidade, surgiu o trabalho dos Grupos de Processo de Habitação e Trabalho da CSE, que abordavam a questão teórica da relação entre o econômico e político sob a ótica das lutas concretas dos inquilinos e das comunidades, como um caminho para além da discussão sobre a crise de gastos do Estado. Nos anos subsequentes, as abordagens do Estado reexaminaram as teorias do Estado, olhando criticamente às propostas de Poulantzas, principalmente. Em 1982, a produção de três artigos de Hirsch, Bob Jessop e Simon Clarke contribuíram para evidenciar as abordagens sobre o Estado capitalista contemporâneo em sintonia com o capital. O primeiro esmiúça sobre a ilusão do ‘estado fordista’; o segundo desenvolve a teria ‘estrutural-funcionalista’, derivada de Poulantzas e o terceiro traça uma linha divisória entre a abordagem estrutural-funcionalista do Estado, desenvolvida por Poulantzas e a abordagem centrada na luta de classes configurada dentro do grupo de trabalho da CSE. Em 1985, Picciotoo e Holloway retomam a questão do problema da jurisdição do Estado Nação diante da internacionalização do capital, contribuindo com análises das contradições inerentes à forma liberal do Estado capitalista. Essas contribuições teóricas sobre a forma-Estado capitalista começaram a repercutir no problema da relação entre a classe trabalhadora e o Estado de bem-estar social. De modo que resultou na organização coletiva sobre como resistir ao poder do capital e do Estado e desenvolver alternativas socialistas. Mobilizava-se a luta dentro e contra o Estado, num processo de ativismo social contínuo para decompor e recompor as relações de classe. Trata-se de um capítulo que marca a visão do Estado enquanto uma possibilidade no quesito revolucionário, demonstrando os limites dessa aposta. Essa reflexão pode inspirar o campo da saúde coletiva no sentido de compreender os limites da via institucional para retomar a construção da saúde pública brasileira.
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