Contradições econômicas distributivas entre o agronegócio e a agricultura familiar no contexto do sistema capitalista do cenário (trans)pandêmico
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1322Palavras-chave:
Capitalismo, Pandemias, Agroindústria, Agricultura Sustentável, Sistema Alimentar SustentávelResumo
Durante as décadas de 1950 e 1960, o Brasil encontrava-se em um contexto de escassez de alimentos devido a insuficiência produtiva no campo, em paralelo à demanda do crescente êxodo rural. A partir disso, viu-se a necessidade do investimento em pesquisas e tecnologia para reverter tal cenário, incluindo assim o país dentro da chamada Revolução Verde. Tal revolução capitalista, de fato, aumentou a produção agropecuária, porém, com ela vieram algumas técnicas prejudiciais à saúde humana e ambiental, como a contaminação do solo, das águas e dos alimentos; além do aumento das desigualdades entre os grandes empresários do agronegócio e os pequenos produtores da agricultura familiar, agravado com o foco cada vez maior no crescimento das exportações para o abastecimento do mercado externo dos países de capitalismo central. Diante de tal perspectiva, este trabalho objetiva abordar o cenário de conflitos econômicos distributivos e contradições existentes entre o agronegócio e a agricultura familiar no contexto do sistema capitalista transpandêmico. Como método para a elaboração deste trabalho utilizou-se fontes oficiais de órgãos governamentais (Ministério da Agricultura e Pecuária – MAP, Secretaria de Defesa Agropecuária – das, Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins – CGAA, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA), fontes de associações da área (Associação Brasileira das Entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural, Pesquisa e Agropecuária e Regularização Fundiária – ASBRAER), portal de notícias jornalísticas (Portal G1) e artigos científicos sobre este debate. Como caminho analítico buscou-se compreender as múltiplas crises que vivemos, com destaque para a socio-ambiental e econômica, e também identificar estratégias para sua transformação. A partir da crise sanitária vivenciada pela pandemia da COVID-19 observou-se as características de sindemia que tal fato histórico produziu, já que a sua (pré)existência, assim como suas consequências, estão envolvidas dentro de um contexto socioambiental gravemente impactado pelo sistema capitalista vigente. Desde a Revolução Verde, com a mudança radical nos meios de produção agropecuário (sendo prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente), houve o aumento significativo das desigualdades onde, no Brasil, já era bem acentuada. Tal fato tornou-se ainda mais evidente, no contexto atual, no qual viu-se um incentivo crescente às práticas agrícolas de larga escala visando estimular o crescimento econômico do país em resposta à recessão causada pelo vírus, vide Plano Safra 2020–2021 e 2021–2022. Conjuntamente ao forte investimento no modo de produção agroexportador, observou-se o número recorde de agrotóxicos liberados para uso durante os últimos anos no Brasil (um total de 2.182 aprovações de 2019 a 2022), o desmatamento com um aumento de 60%, também sob a gestão do governo Bolsonaro e, atualmente, a tramitação do Projeto de Lei n. 1.459/2020, que flexibiliza ainda mais tais práticas exploratórias. O valor total em vendas das exportações do agronegócio em 2022 foi de cerca de R$795 bilhões (US$159 bilhões) e, apenas, nos quatro primeiros meses de 2023, chegou à marca de aproximadamente R$253 bilhões (US$50,6 bilhões). Tais números são atrativos ao governo, que em um cenário de recuperação econômica “pós-pandêmica” somado à pressão do lobby, dão maior atenção ao agronegócio. Segundo o último censo agropecuário realizado pelo IBGE em 2017, houve uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos categorizados como de agricultura familiar, comparando-se com o censo anterior. Além disso, ainda de acordo com o censo, enquanto na agricultura não familiar criou-se 702 mil postos de trabalho, na agricultura familiar perdeu-se 2,2 milhões de trabalhadores e, mesmo esta última ainda representando o maior contingente no país, ocupa apenas 23% da área agrícola total. Dessa forma, torna-se evidente a diferença entre esses dois meios de produção, estando um em desvantagem ao outro devido à baixa capacidade produtiva dada pelo baixo financiamento, contrastado ao do agronegócio (que, além do incentivo governamental, já é comandado por empresários com alto poder aquisitivo); o que, por sua vez, torna a competitividade injusta entre os setores, acarretando em um desequilíbrio financeiro e socioambiental que desestimula a produção de alimentos saudáveis produzidos de forma sustentável, empurrando para pobreza os pequenos e médios produtores e aumentando as chances do surgimento de novos patógenos tão graves quanto o SARS-CoV-2. De acordo com os fatos apresentados, foi possível observar: quanto maior o lucro advindo do agronegócio, maior o interesse de investimento no mesmo, não importando os riscos ou impactos negativos que isso possa trazer, ressaltado ainda mais no contexto de crises em países em desenvolvimento. Considera-se, portanto, a reflexão sobre a relevância que se deve dar a uma reestruturação dos atuais meios de produção agropecuários, em suas dimensões sociais, política, econômica e ambiental; em que seus determinantes não sejam comandados exclusivamente (ou em sua grande maioria) pelos interesses gerados pelo sistema capitalista. Tal finalidade pode ser alcançada a partir da implementação das atuais políticas públicas que promovam a produção familiar (como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF), ou mesmo sob a criação de novas políticas públicas, assim como de projetos de lei como o PL 6.670/2016, que previa a Política de Redução de Agrotóxicos e o fortalecimento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, por exemplo. Para tanto, também é imprescindível a educação em saúde da população sobre o tema, para que assim, com a informação e conhecimento, possa haver maior participação popular na cobrança, havendo maior pressão e chance real de mudança. A agricultura familiar, sendo a principal responsável pela produção de alimentos que são consumidos internamente no país (com uma participação de 70%) precisa de maior investimento financeiro e, considerada como, o principal modo de produção de alimentos para o abastecimento da população brasileira. Já que os seus meios de produção são muito mais justos e sustentáveis economicamente, ambientalmente e socialmente a médio e longo prazo, por promover uma alimentação adequada e saudável e, por fim, atendem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030 da ONU), sendo a possibilidade de construir a autonomia necessária para uma soberania alimentar e para uma possível efetivação do direito humano à alimentação adequada na vida concreta de toda a população brasileira.
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Referências
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