Reflexões sobre os impactos da pandemia COVID-19 na saúde mental de usuários do CAPS Praia do município de Santos

Autores

  • Ana Clara Gomes Picolli Universidade Federal de São Paulo
  • Matheus Yoku Marques de Carvalho Universidade Federal de São Paulo

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v12.1092

Palavras-chave:

Ansiedade, Infecções por Coronavirus, Depressão, Saúde Mental, Sistema Único de Saúde.

Resumo

A Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) é uma política pública de educação permanente no Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS) que se baseia no processo de aprendizagem e reflexão das práticas na rede de serviços, dando ensejo à problematização da realidade.  O Programa de Residência Multiprofissional em Rede de Atenção Psicossocial da Universidade Federal de São Paulo – Baixada Santista é uma modalidade de pós-graduação lato sensu implantada em 2014 que integra recém formados dos cursos de psicologia, serviço social e terapia ocupacional com o objetivo de formar profissionais sintonizados com as necessidades do SUS e a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). Durante o período de Residência, os estudantes são inseridos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do município de Santos/SP, onde atuam junto às equipes multiprofissionais dessas instituições. Os CAPS são unidades públicas especializadas em saúde mental para atendimento de pessoas com transtorno mental grave e persistente. No primeiro ano os residentes atuam em CAPS 3 Adulto, que subsidiará os dados para reflexão deste trabalho, especificamente o CAPS Praia. Uma das principais atividades realizadas nesse serviço é o Acolhimento, etapa primeira do cuidado em saúde, cujo objetivo central é compreender o sofrimento que o traz até o CAPS considerando sua história de vida, rede relacional e familiar, trabalho e renda, entre outros determinantes de saúde. Pode ser composto por um ou mais encontros em que os profissionais decidem, junto ao usuário, sua permanência no serviço ou seu encaminhamento para outro. No ano de 2020, o mundo foi exposto à um novo desafio e obrigado a se readequar e construir novas normas do viver em sociedade. A pandemia do novo coronavírus (Coronavirus Disease 2019 - COVID-19) foi assim designada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) devido sua rápida disseminação em nível global. A pandemia COVID-19 é a maior emergência de saúde pública enfrentada pela comunidade internacional em décadas. Este enfrentamento se deu de diversas formas, como através do isolamento e distanciamento social, fechamento do comércio e serviços não considerados essenciais, entre outras medidas adotadas pelos países afetados. Santos começou a tomar medidas de restrição em março de 2020 e, em outubro do mesmo ano, é considerada o 6ª município com maior número de casos do estado de São Paulo. As atividades coletivas externas e internas do CAPS Praia que ocasionam aglomeração ou circulação de pessoas, foram suspensas, porém os Acolhimentos continuaram normalmente, mesmo com parte da equipe profissional afastada por comorbidade, suspeita ou confirmação de infecção por COVID-19. Objetivo: analisar a experiência advinda dos Acolhimentos entre maio a setembro de 2020 à usuários que associam seu sofrimento ao período de pandemia COVID-19. Metodologia: O estudo proposto será realizado através um breve relato de experiência sobre os Acolhimentos realizados por residentes no CAPS Praia do município de Santos. Para guiar este trabalho a seguinte pergunta de pesquisa foi elaborada: “O sofrimento psíquico de usuários que buscaram o processo de Acolhimento inicial no CAPS Praia é decorrente de múltiplas consequências trazidas pelo COVID-19?”. A princípio, participou-se dos Acolhimentos junto a outros profissionais e, posteriormente, estes foram realizados em dupla ou individualmente pelos residentes, durando em média uma hora. Resultados: A pandemia COVID-19 trouxe mudanças nas rotinas e, consequentemente, nas relações familiares, impactando direta ou indiretamente na saúde mental da população. Identificou-se a procura do CAPS por usuários novos, isto é, que não haviam passado por um serviço de saúde mental e também por aqueles que faziam uso da rede particular de saúde anteriormente. A amostra foi composta tanto por usuários que procuraram o serviço por demanda espontânea quanto por encaminhamento da Atenção Básica. Os Acolhimentos, majoritariamente, receberam mulheres com queixas sobre convivência familiar e conjugal, com relatos de violência doméstica, seguido de idosos com sintomas ansiosos, depressivos e pânico de contrair a doença, seguido por jovens com ideação suicida. A amplificação ou surgimento de tais sintomas teve causas distintas ligadas à diferentes fatores estressores. Nota-se histórias de vida interrompidas, com possibilidades de ação e redes sociais reduzidas, o aumento do convívio familiar e, por conseguinte, o estreitamento de laços afetivos insalubres, a perda de emprego e renda e a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. Observa-se que os usuários buscaram o CAPS no intuito de medicalizar seu sofrimento, todavia, durante o Acolhimento, a maioria dos casos foi sanada apenas através do compartilhamento das angústias e alívio imediato de suas aflições mais estridentes. O restante foi encaminhado para atendimento psiquiátrico, iniciando seu acompanhamento no serviço. Mulheres e jovens queixaram-se da problemática da convivência familiar que, devido às medidas de isolamento, passou a ocupar um recorte maior do cotidiano e a sofrer alterações, como o abrigo de familiares por questões financeiras. Ressalta-se que algumas dessas mulheres vieram a possuir um maior risco de sofrerem violência doméstica, já que estão confinadas com seus agressores por períodos indeterminados e extensos, sendo a queixa mais recorrente a de violência psicológica. Idosos apresentaram confusão quanto às sensações do corpo provocadas por ansiedade, interpretando-as como sintomas da doença e dirigindo-se, desnecessariamente, às Unidades Básicas de Saúde (UBS). O pavor de contrair a doença, em meio a uma sociedade que valoriza demasiadamente o comprimido, a difusão de mitos e equívocos sobre a COVID-19 junto à dificuldade de compreensão de orientações das autoridades sanitárias, levou estes à automedicação como forma profilática de tratamento. O discurso dos usuários sobre seu sofrimento está associado à pandemia de forma primária, sendo identificado como fator principal do seu adoecimento, ou secundária, restringindo seus recursos de enfrentamento. Considerações Finais: Percebeu-se que o processo de adoecimento é interseccionado por gênero, raça e classe social, entre outros determinantes estruturais da sociedade capitalista brasileira. Desta forma, pôde-se observar que as medidas de contenção adotadas pelo município de Santos, assim como as consequências trazidas pela COVID-19, podem ser consideradas fatores de risco à saúde mental da população abrangida no território do CAPS Praia. Constatou-se que a saúde mental, enquanto política pública embasada nos princípios do Movimento de Reforma Psiquiátrica, se faz essencial em uma sociedade estruturada por desigualdades sociais.

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Referências

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Publicado

16-03-2021

Como Citar

1.
Gomes Picolli AC, Yoku Marques de Carvalho M. Reflexões sobre os impactos da pandemia COVID-19 na saúde mental de usuários do CAPS Praia do município de Santos. J Manag Prim Health Care [Internet]. 16º de março de 2021 [citado 17º de dezembro de 2024];12(spec):1-2. Disponível em: https://jmphc.emnuvens.com.br/jmphc/article/view/1092

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