Lutar e resistir

organização e movimento de trabalhadores na cidade de São Paulo

Autores

  • Fernanda Gomes Torres da Silva Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Instituto Saúde e Sociedade, Departamento de Saúde, Educação e Sociedade https://orcid.org/0009-0008-9988-7057

DOI:

https://doi.org/10.14295/jmphc.v16.1442

Palavras-chave:

Sistema Único de Saúde, Estado, Teoria Crítica

Resumo

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma conquista dos trabalhadores, contudo, desde a sua constituição, por meio da Lei nº 8.080/1990, ocorrem concessões à iniciativa privada. Tal processo é evidenciado a partir do governo Collor, com o projeto de organização liberal, onde iniciou-se a descentralização da saúde com baixo investimento no setor. Já no governo seguinte, em 1995, foi criado o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que propôs algumas ações, dentre elas a gestão de serviços de saúde por organizações sem fins lucrativos, as Organizações Sociais (OS). Na cidade de São Paulo tal gerenciamento iniciou por volta de 1998 e vigora até os dias atuais. Esse tipo de organização tem se fortalecido devido às tendências ultra neoliberais do capitalismo presente no Brasil. Tais tendências chegam ao âmbito da saúde, através das práticas gerencialistas de gestão, transformando o sistema em um SUS operacional. No ano de 2022, a Prefeitura de São Paulo atualizou os indicadores de qualidade através da Portaria nº 333, onde houve uma inversão do significado de fazer saúde, pois, segundo a portaria, quantidade é sinônimo de qualidade. Assim, todos os profissionais passaram a ter metas quantitativas de atendimento individual, visita domiciliar, atendimento em grupo, dentre outras metas. Por exemplo, em uma Unidade Básica de Saúde tradicional, durante o mês, um psicólogo 30 horas tem como meta 40 atendimentos individuais e 30 grupais, médicos clínicos 20h, 264 atendimentos e enfermeiros 120 atendimentos. Para além dos atendimentos, é necessário construir espaços de reuniões para organizar processos de trabalho, construir contato com a rede (Assistência Social, Educação, Cultura etc.) e outros equipamentos, além das discussões de casos. Onde e quando os profissionais conseguiriam discutir os casos? Em quais momentos conseguiriam realizar ações no território que fazem sentido para a população, considerando o tempo de deslocamento? Diante disso, os trabalhadores formaram um movimento denominado VivaSUS, que tem denunciado as diversas gestões no município que buscam, através de condutas assediosas, o cumprimento dessas metas. No período de janeiro a junho deste ano foram coletadas mais de 150 denúncias na cidade de São Paulo. No total, são 15 as Organizações Sociais de Saúde (OSS) nas quais os trabalhadores exercem ou exerciam alguma função. Os profissionais que denunciaram são das seguintes categorias: agentes comunitários, nutricionistas, psicólogos, médicos, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, oficineiros, redutores de danos, fonoaudiólogos, obstetrizes, sanitaristas, farmacêuticos, dentistas, auxiliares administrativos, gestores de unidade básica de saúde e supervisores de Serviço Residencial Terapêutico. O conteúdo das denúncias se circunscrevem em: situações de assédio moral, como pressionar e ameaçar o trabalhador caso não cumpra as metas, expondo-o a situações vexatórias, pois se não consegue cumprir a meta, é visto pela organização como aquele que não faz com qualidade o seu trabalho; críticas estruturais devido às péssimas condições dos imóveis alocados pelas organizações; ausência de ar condicionado nas farmácias, o que pode implicar mau armazenamento dos medicamentos; goteiras que caem nos leitos de acolhimento integral; falta de recursos para grupos e oficinas, sendo solicitado pela gestão local que os próprios trabalhadores invistam em materiais para que os grupos aconteçam são apenas. Diante dessas denúncias, o Fórum VivaSUS tem recorrido, a princípio, a instâncias jurídicas e institucionais como Ministério Público, Tribunal de Contas do Município, Poder Legislativo e Sindicatos, como forma de encaminhamento para alguma resolução. Contudo, na prática, visualiza-se os limites dessas instâncias. Tais limites possuem alicerce na forma-Estado bem como na forma jurídica e forma política, que ocasionalmente evidenciam o limite da própria política pública. Assim, de acordo com o debate da derivação do Estado, iniciado por John Hirsch nos anos 1970, a partir da leitura de Marx, o Estado possui uma forma e, enquanto tal, deriva da forma mercadoria. Desse modo, as relações sociais capitalistas, determinadas dialeticamente a partir da circulação e produção de bens e produtos, funcionam como um sistema generalizado de trocas que exigem a construção de uma estrutura para sua manutenção que se dá através da forma jurídica e da forma política. A forma jurídica se estabelece pela noção de sujeito de direito, fomentando a ideia de que cada um é livre para realizar contratos de compra e venda, incluindo a força de trabalho, ou seja, legitima algumas práticas que são inerentes à condição da sociedade capitalista. No caso da forma política há o intermédio dos conflitos de classes que funcionam como conciliadores entre elas. Tais formas estão sobredeterminadas, pois implicam na organização dos processos de trabalho dentro desse sistema. Não obstante, a forma jurídica se conforma junto à forma política dentro do processo de derivação da forma mercadoria. Nesta, o aspecto central das formas sociais são preservadas, operando de maneira quantitativa, sendo base relevante na estruturação e reprodução do capital. A forma política estatal acontece devido à insuficiência presente na forma jurídica e na forma mercadoria, assim o Estado se torna um terceiro ente desta relação, pois possibilita a garantia desse tipo de sociabilidade mantendo as condições estruturais que faz parte. Portanto, o Estado não é burguês apenas pelo conteúdo das ações que o mantém, mas também devido a sua forma derivada das relações de produção. Dessa maneira, como promover mudanças diante tal cenário? Segundo Holloway, a luta precisa ocorrer dentro, contra e mais além da forma-Estado. Por isso, o Fórum, construído e organizado por seus trabalhadores, busca ocupar esses espaços, resistindo e apontando suas contradições, organizando a luta de classes contra essa forma-Estado através da conscientização dos trabalhadores, por meio de panfletagens informativas, bandeiraços pela cidade de São Paulo, promoção de espaços de discussão e organização de estratégias para adesão dos trabalhadores, utilização do Instagram como ferramenta de disseminação de conteúdo, tendo como horizonte outras (ou novas?) formas de socialização.

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Publicado

30-05-2025

Como Citar

1.
Silva FGT da. Lutar e resistir: organização e movimento de trabalhadores na cidade de São Paulo. J Manag Prim Health Care [Internet]. 30º de maio de 2025 [citado 6º de junho de 2025];16(Esp):e005. Disponível em: https://jmphc.emnuvens.com.br/jmphc/article/view/1442