O negócio alimentar das dark kitchens
desafios para a economia política crítica da saúde
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1377Palavras-chave:
Empresa de Pequeno Porte, Sistema Alimentar Sustentável, Capitalismo, Pandemias, Aplicativos MóveisResumo
O capitalismo global e suas constantes transformações são capazes de demonstrar a força que arrasta tudo e todos para o seu movimento constante de reprodução – o movimento do capital e seu ciclo. A forma de garantir a sua reprodução é a sua expansão através da perspectiva permanente de transformação das relações sociais. As novas reconfigurações fetichizadas e alienadas da relação mercado e alimentação é um exemplo disso. Dentre os cenários criados pela pandemia da COVID-19 está o isolamento social promovido como forma de contenção para a transmissão do vírus SARS-CoV-2. Esse cenário contribuiu para o aumento significativo da demanda por consumo de alimentos feitos exclusivamente via aplicativos com entrega delivery entre grande parte da população, além do surgimento expressivo de empresas produtoras, comercializadoras e distribuidoras de refeições que buscou atender essa demanda. No contexto dos grandes centros urbanos brasileiros, especialmente em São Paulo/SP, observou-se o crescimento substancial das dark kitchens (conjunto de cozinhas industriais que operam apenas em sistema de distribuição descentralizado). Os sistemas de entrega de alimentos tiveram sua origem na Coréia no século XIV, depois na Itália, Inglaterra e Índia. As dark kitchens, por outro lado, são um fenômeno recente do no início da década de 2010, apoiado pela evolução dos sistemas de entrega de alimentos e do desenvolvimento tecnológico. Esse fenômeno surgiu em resposta ao aumento da demanda de entrega de refeições de alta qualidade e ao aumento dos aluguéis em locais no centro das cidades. A possibilidade emergente do surgimento desse modelo de negócios surgiu com a criação dos aplicativos móveis, como uma solução para a necessidade da população de fazer compras com facilidade. A COVID-19 acelerou o crescimento das dark kitchens como um reflexo da desestabilização econômica da época, que forçaram os restaurantes a fechar suas portas, criando a necessidade de pontos de venda alternativos. Essas cozinhas “dark kitchens” têm custos de abertura e manutenção mais baixos do que os de um restaurante padrão devido à sua estrutura mais simples, logo são mais atraentes do ponto de vista econômico. Neste sentido, por serem um investimento de custo reduzido e de alto retorno lucrativo, elas se tornaram a solução para empresários do ramo alimentício, representando um em cada três restaurantes cadastrados em apps, como a plataforma iFood. Porém, a forma como esse novo modelo de negócio alimentar foi criado e o ambiente onde alguns estão inseridos trouxeram novos desafios aos órgãos regulatórios e fiscalizadores, envolvendo também conflitos urbanísticos entre os moradores que vivem no entorno de suas estruturas. Diante disso, tem-se o seguinte questionamento: Quais são os desafios trazidos pelas dark kitchens para o campo da economia política crítica da saúde? O objetivo deste trabalho foi identificar e problematizar alguns desafios que as dark kitchens trazem para o campo da economia política crítica da saúde. Para responder tal pergunta, foi realizado um levantamento bibliográfico exploratório a partir de artigos científicos disponíveis, projetos de pesquisas em andamento, sítios eletrônicos de órgãos governamentais e jornalísticos. As dark kitchens representam hoje cerca de 35% dos “restaurantes” na grande metrópole de São Paulo/SP, trazendo desafios de diferentes aspectos: sanitário, ambiental, social, econômico e político. Um exemplo, são nos bairros residenciais, os altos níveis de ruídos dos equipamentos durante 24 horas por dia, o forte cheiro característico das preparações produzidas, a poluição do ar com a produção de resíduos e partículas de gordura que são expelidas dos exaustores para as casas e prédios vizinhos, e o trânsito intenso de entregadores e a descarga de mercadorias. Assim, tem-se um impacto negativo sobre a qualidade de vida da comunidade local, diante do empreendimento construído geograficamente nos bairros residenciais, de forma rápida, sem diálogo com a comunidade e que representa um desafio para as autoridades de vigilância sanitária quanto à falta de registro oficial e de inspeções realizadas antes de sua abertura. Há poucos estudos e informações oficiais sobre a falta de transparência sobre o seu funcionamento, esses estabelecimentos demonstram resistência à visita dos consumidores e da imprensa, violando o direito à informação dos consumidores, causando questionamentos quanto à segurança sanitária dos seus meios de produção e da qualidade dos alimentos, além das condições de trabalho, nas quais os funcionários se encontram. Somada às condições de trabalho dos entregadores das refeições produzidas. Atualmente, há a Lei Municipal de São Paulo n. 17.853, de 29 de novembro de 2022, e o Decreto Municipal de São Paulo n. 62.365, de 8 de maio de 2023, que estabelecem as regras aplicáveis às dark kitchens (incluindo a Portaria Municipal de São Paulo n. 2.619, de 6 de dezembro de 2011, que regulamenta as Boas Práticas e de Controle de condições sanitárias relacionadas à produção, manipulação, armazenamento, comercialização e transporte de alimentos). Além da manutenção das responsabilidades de cada órgão da vigilância sanitária no âmbito federal, estadual e municipal. Por fim, resta saber se de fato essas normas regulamentadoras estão sendo cumpridas, sem esquecer da Lei Municipal de São Paulo n. 11.617, de 15 de julho de 1994 e do Decreto Municipal n. 34.557, de 28 de setembro de 1994 de São Paulo, que garantem o direito ao acesso do público as cozinhas comerciais e institucionais, a fim de colaborar para que as normas higiênico-sanitárias vigente sejam preservadas e as providências necessárias sejam tomadas. Para além da forma jurídica e da forma Estado, permanece a necessidade de compreensão dessa atual expansão do capitalismo global no mercado alimentar em países emergentes e de economia dependente, como o Brasil. E o que isso representa enquanto impactos sociais, políticos e econômicos a partir desse tipo de empreendimento que tem a exploração dos trabalhadores como sustento para o funcionamento deste negócio alimentar.
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Referências
Hakim MP, Dela Libera VM, Zanetta LD, Nascimento LGP, da Cunha DT. What is a dark kitchen? A study of consumer's perceptions of deliver-only restaurants using food delivery apps in Brazil. Food Res Int. 2022 Nov;161:111768. doi: 10.1016/j.foodres.2022.111768. Epub 2022 Aug 6. PMID: 36192932. DOI: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2022.111768
Hakim MP, Dela Libera VM, Zanetta LD, Stedefeldt E, Mariano Zanin L, Soon-Sinclair MJ, Wiśniewska MZ, da Cunha DT. Exploring dark kitchens in Brazilian urban centres: A study of delivery-only restaurants with food delivery apps. Food Res Int. 2023 Aug;170:112969. https://doi.org/10.1016/j.foodres.2023.112969. Epub 2023 Aug 6. PMID: 36192932. DOI: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2023.112969
Melito L. SP: O avanço desenfreado das “cozinhas-fantasmas”. 2023 Mai 23. Disponível em https://outraspalavras.net/outrasmidias/sp-o-avanco-desenfreado-das-cozinhas-fantasmas/#:~:text=As%20dark%20kitchens%20s%C3%A3o%20cozinhas,uma%20tend%C3%AAncia%20incontest%C3%A1vel%20do%20setor.
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