Terceirização da saúde pública e o desmonte da atenção primária do município de São Paulo
resultados preliminares de uma revisão integrativa
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v15.1338Palavras-chave:
Sistema Único de Saúde, Atenção Primária à Saúde, Privatização, Serviços Terceirizados, Políticas, Planejamento e Administração em SaúdeResumo
A criação do Sistema Único de Saúde – SUS brasileiro em 1988 impulsionou as primeiras orientações institucionais em direção à organização do sistema, pautado nos conceitos da Atenção Primária à Saúde – APS como “porta de entrada” da rede de saúde e ao atendimento de necessidades de saúde mais comuns de uma população de área específica. Chancelada no modelo de "atenção básica à saúde", a APS brasileira propôs a reorganização dos cuidados em saúde na lógica da integralidade, adaptando o conceito às principais demandas do país, por meio da incorporação de atividades como procedimentos odontológicos, cuidados específicos em enfermagem e atenção integral a todos os ciclos de vida, cuidado interdisciplinar em saúde por equipes de saúde multiprofissionais, entre outros. Nesse sentido, discussões a respeito das limitações de um processo de integralidade, inerentes aos debates primários do SUS, com frequência são aderidas às indagações de atuação da atenção primária, com concepções de operacionalização bastante heterogêneas e historicamente alvo de disputas em esferas acadêmicas, assistenciais e políticas. A própria construção e consolidação do SUS, desde seu processo de criação, foi realizada no contexto de um direito social sob frequente ataque, em um cenário temeroso de redemocratização pós-período de ditadura militar. Nesse projeto de hegemonia do capital portador de juros, o projeto financeiro para o Estado brasileiro buscou a desregulamentação e a liberação dos fluxos de capitais em uma proposta de "redução do Estado", por meio da terceirização e privatização de atividades que não fossem consideradas absolutamente essenciais, atribuindo-as à iniciativa privada com prioridade absoluta do capital financeiro. O município de São Paulo apresenta contribuições bastante específicas para o processo histórico de consolidação do SUS e da APS brasileira. Desde 1993 a gestão da saúde paulistana foi marcada, porém, por forte orientação gerencialista, por meio de novas políticas de gestão pública voltada ao aumento da "eficiência" da máquina pública. Foi a partir de 2001, porém, que a expansão e consolidação de convênios para a implementação do Programa Saúde da Família – PSF ocorreu, na alegação de prioridade de solidificação do programa. Com a retórica de reorganização da atenção básica do município no modelo de parcerias para corresponsabilização cidadã, a cessão da gerência de serviços públicos da APS para entidades de direito privado, como as Organizações Sociais, foi ampliada de maneira vertiginosa, mantendo-se até os tempos atuais como política estrutural das diversas gestões no trajeto histórico do município. Em uma análise crítica sobre os critérios de adoção da gestão privada em serviços de atenção primária, pode-se defender que determinado modelo não amplia a participação da comunidade, como defendido em sua retórica inicial, tampouco representa o fortalecimento do interesse público na consecução das políticas sociais. Nessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho é analisar a literatura científica acerca do processo de terceirização da saúde pública e suas influências no desmonte da Atenção Primária do município de São Paulo, por meio de uma reconstrução histórica referente ao período de 2001 a 2022, marcado por acentuadas transferências de recursos públicos e fortalecimento de gestões de saúde de caráter privado em um modelo que perdura até a atualidade. Trata-se de uma revisão sistemática crítica da literatura, realizada com buscas no Portal Regional da BVS por meio das pesquisa booleanas: ("Serviços Terceirizados" OR "Terceirização" OR "Privatização") AND ("Atenção Primária à Saúde" OR "Atenção Básica" OR "Atenção Básica à Saúde" OR "Atenção Básica de Saúde" OR "Atenção Primária de Saúde" OR "Atenção Primária em Saúde" OR "Estratégia da Saúde da Família" OR "Estratégia de Saúde da Família" OR "Estratégia de Saúde Familiar" OR "Estratégia Saúde da Família" OR "Estratégia Saúde da Família (ESF)" OR "Estratégia Saúde Familiar" OR "Programa de Saúde da Família" OR "Programa de Saúde Familiar" OR "Programa Saúde da Família" OR "Programa Saúde da Família (PSF)") e ("Serviços Terceirizados" OR "Terceirização" OR "Privatização") AND ("Atenção Primária à Saúde" OR "Atenção Básica" OR "Atenção Básica à Saúde" OR "Atenção Básica de Saúde" OR "Atenção Primária de Saúde" OR "Atenção Primária em Saúde" OR "Estratégia da Saúde da Família" OR "Estratégia de Saúde da Família" OR "Estratégia de Saúde Familiar" OR "Estratégia Saúde da Família" OR "Estratégia Saúde da Família (ESF)" OR "Estratégia Saúde Familiar" OR "Programa de Saúde da Família" OR "Programa de Saúde Familiar" OR "Programa Saúde da Família" OR "Programa Saúde da Família (PSF)") AND (São Paulo). Foram incluídos estudos sem restrição de data de publicação ou idioma. A partir das sintaxes finais descritas, foram identificados 159 estudos que passaram por análise de títulos e resumos pelo pesquisador principal. Foram excluídos estudos duplicados e com falta de identificação com a temática, restando 16 trabalhos para leitura na íntegra e análise. quatro trabalhos foram excluídos por não responderem integral ou parcialmente a pergunta da pesquisa; além de um excluído devido a inconsistência / indisponibilidade de informações. Das 11 publicações selecionadas para análise, sete (63,6%) são artigos, dois (18,2%) dissertações de mestrado, um (9,1%) capítulo de livro e uma (9,1%) tese de doutorado. De acordo com as primeiras análises realizadas nos estudos avaliados, identifica-se o impacto da privatização da atenção primária no SUS e no município de São Paulo com resultado em um modelo fragmentado de cuidado em saúde, a partir de noções de racionalização de recursos e produtividade da lógica gerencialista, com divergências quanto aos resultados de melhoria na prestação de serviços entre os modelos de Administração Direta ou de parceria público-privada. Quanto aos reflexos nas políticas sociais, apresenta-se a ideia de que o modelo de privatização da saúde tem potencial de gerar distorções na condução de políticas públicas, desconsiderando o processo social e político da produção das vulnerabilidades e prejuízo a princípios da administração pública como a legalidade, impessoalidade e publicidade de gastos. Quanto aos reflexos no trabalhador da saúde, os estudos apontaram para uma rigidez excessiva da organização do processo de trabalho, além da precarização de vínculos trabalhistas, desgaste individual e de questões de saúde do trabalhador, prejuízo da possibilidade de recursos coletivos de fortalecimento e impacto negativo nas atividades técnico-científicas de formação e capacitação dos recursos humanos em saúde.
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