Incorporação das tecnologias em saúde e o alinhamento às necessidades de saúde no SUS
uma revisão integrativa
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v14.1236Palavras-chave:
Avaliação da Tecnologia Biomédica, Sistema Único de Saúde, Tomada de Decisões, Necessidades e Demandas de Serviços de SaúdeResumo
A avaliação de tecnologias em saúde (ATS) é um conjunto de mecanismos técnicos que investiga as consequências clínicas, econômicas, éticas e sociais da disponibilização de novas tecnologias nos serviços de saúde. Como as decisões sobre a incorporação e uso de tecnologias nos sistemas de saúde não se sustentam apenas em pilares técnico-científicos, é feita uma análise sistemática e multidisciplinar para informar este processo decisório. A ATS foi institucionalizada no Brasil em 2000 com a criação do Departamento de Ciência e Tecnologia – DECIT do Ministério da Saúde – MS, sendo incluída em 2004 na Política Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde. Em 2006, foi criada a Comissão para Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde – CITEC, o primeiro órgão responsável por tal processo e precursor da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – CONITEC, criada em 2011. Atualmente a CONITEC conduz o processo de ATS a nível federal para avaliar a incorporação ou exclusão das tecnologias em saúde disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde – SUS. A atuação da CONITEC, porém, tem sido desafiada quanto à falta de clareza nos critérios de priorização para avaliar tecnologias em saúde, divergências entre os requerimentos técnicos considerados na prática e pela centralização de decisões a nível federal que desconsiderariam diferenças regionais demográficas e epidemiológicas. As demandas são recebidas por processos ativo ou reativo. No primeiro caso, o DECIT organizaria reuniões com áreas estratégicas do MS ou ativamente buscaria evidências para definir prioridades de avaliação, alinhadas às necessidades em saúde, metas sanitárias e ações programáticas das políticas de saúde. Assim, estabelecer priorizações promoveria maior sintonia entre a seleção de tecnologias para avaliação e as necessidades em saúde do sistema, já que também considerariam as dimensões epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas e espaciais, além da capacidade de oferta dos serviços de saúde. Já no método reativo, a CONITEC receberia solicitações de incorporação ou exclusão de tecnologias por parte dos proponentes, que podem incluir indústrias farmacêuticas, sociedades médicas, organizações de pacientes e outros órgãos governamentais, devendo avaliar todas as demandas à medida que chegam, sem uma priorização estratégica. Devido à importância do tema, este trabalho buscou analisar os fatores que influenciam o processo decisório guiado pela ATS e discutir se as necessidades em saúde do SUS são consideradas no processo para avaliar a incorporação de tecnologias de saúde no sistema público brasileiro. A metodologia proposta é uma revisão integrativa da literatura em que foram definidos descritores e estratégias de busca para as bases de dados Biblioteca Virtual de Saúde – BVS, PubMeD e SciELO, buscando responder à pergunta de pesquisa “O que a literatura científica discute sobre a consideração das necessidades em saúde do SUS no processo de ATS?”. Para o desenvolvimento da sintaxe, identificou-se os polos população, fenômeno e contexto, respectivamente, “necessidades em saúde” “avaliação de tecnologias em saúde” e “Sistema Único de Saúde”. Para cada polo, foram definidos os descritores apropriados, conforme o DeCS (para BVS e SciELO) e o MeSH (para PubMed). Para que as buscas abrangessem tanto um quanto outros descritores relevantes, foram elaboradas sintaxes com os operadores booleanos “OR” e “AND”. Após buscas iniciais, constatou-se que o polo “população” restringia significativamente os resultados na BVS e SciELO. Assim, para estas bases, a sintaxe considerou apenas os polos “fenômeno” e “contexto”. Foram incluídos artigos científicos em português, inglês e espanhol publicados a partir do ano 2000. Não foram incluídos artigos de revisão, publicações não-científicas (cartas, editoriais, livros, comentários, vídeos, entrevistas, notícias, reportes técnicos, relatórios, testes e anais de congressos), estudos in vitro, pré-clínicos ou clínicos intervencionais, artigos não disponíveis para leitura e artigos que se referiam exclusivamente a outros contextos fora do SUS ou exclusivamente a outros fenômenos que não a ATS. As buscas foram realizadas em 27 de fevereiro de 2022, retornando um total de 9.020 resultados, sendo que, após a remoção das duplicatas, aplicação dos critérios de elegibilidade e leitura dos títulos e resumos, processos realizados com auxílio dos programas Zotero e Rayyan, selecionou-se 116 artigos para leitura completa, dos quais foram selecionados oito para a revisão integrativa. Foram identificadas quatro análises puramente documentais dos relatórios publicados pela CONITEC, dois estudos que integraram análise documental com entrevistas com gestores do SUS, e dois estudos qualitativos. Um dos estudos qualitativos foi conduzido em 2006–2008, antes do estabelecimento da CONITEC e, portanto, avaliou critérios que os tomadores de decisão consideravam desejáveis na ATS, pois, para a maioria dos entrevistados, o processo existente à época era incompleto e não satisfazia às necessidades do SUS. Os estudos que analisaram os relatórios publicados pela CONITEC abrangeram o período de 2010 a 2019 e avaliaram as recomendações de incorporação ou não sob diversos critérios constantes nos relatórios, como tipo de demandante e de tecnologia avaliada, cumprimento dos requisitos técnicos, evidência clínica e econômica, influência da consulta pública e indicação clínica. Nestes, avaliou-se como positiva a representatividade crescente de demandas internas dentre as solicitações avaliadas no período, pois demonstraria que instituições vinculadas ao MS seriam responsáveis por parte significativa das tecnologias incorporadas no SUS, demandando conforme suas necessidades. Já os estudos de análise documental integrada a entrevistas aprofundaram outros fatores de influência no processo, como aspectos políticos, interesses privados e participação social. Entrevistas com membros da CONITEC reconheceram o risco de criação de necessidades por interesses externos e ressaltaram a importância da tomada de decisões com base na racionalidade técnico-sanitária, de modo que a incorporação de tecnologias leve em conta o perfil epidemiológico da população, além de garantir sua eficácia, segurança e custo-efetividade. Os estudos também concluem que, apesar de existir um monitoramento tecnológico pelo MS, ainda não há um processo claro de prospecção e priorização na análise de tecnologias, o que dificulta que haja um processo de ATS mais ativo em analisar demandas de acordo com as necessidades do SUS.
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