“Ecologia política” em tempos do novo coronavírus
por onde andará a suposta superioridade humana?
DOI:
https://doi.org/10.14295/jmphc.v12.1100Palavras-chave:
Infecções por Coronavirus, Saúde Pública, Saúde GlobalResumo
O novo coronavírus transformou-se em um valioso objeto de estudos. Laboratórios de pesquisas, Universidades e Companhias farmacêuticas multinacionais passaram a travar uma corrida frenética, a fim de descobrir estratégias de controle da doença causada pelo mesmo, a Corona Virus Dicease – 2019 (COVID-19). Nesse ínterim, iniciaram-se disputas acirradas para se desenvolverem pesquisas em tempo recorde e se alcançar a liderança na criação de vacinas/medicamentos capazes de combater o vírus. Em meio a isso, prestígio científico; acesso a financiamentos robustos; potencial de aquisição de equipamentos/instrumentos de última geração; quantidades de bolsas de pesquisas, e qualidade de formação dos cientistas figuram entre os fatores “ocultados” pelas publicações e inovações científicas que, grosso modo, definirão quando se poderá voltar a transitar “normalmente”. Nessa direção, a COVID-19 é um exemplo da atual introdução dos chamados “não humanos” na ordem política – assim como o buraco na camada de ozônio, o efeito estufa, o aquecimento global, as mudanças climáticas (ou, dito de outro modo, a emergência climática), a saúde pública. Seres humanos e não humanos integram o coletivo de atores em operação. Tal composição tece uma rede com diferentes níveis de força, de hierarquia, de complexidade, na qual seres humanos e não humanos (plantas, fungos, protozoários, bactérias, vírus e, também, objetos, instrumentos, medições etc.), agem, interagem e interdependem. A esse conjunto dá-se o nome “ecologia política” – um campo privilegiado ou um novo conhecimento que poderia romper, ou mesmo fundir, as duas câmaras separadas: natureza e sociedade. A conjunção dos termos “ecologia” e “política” evidencia a mistura de entidades, de vozes e de atores que seriam impossíveis de tratar apenas com ecologia ou somente com política. Assim, natureza e sociedade requerem uma explicação conjunta e simétrica entre humanos e não humanos, visto que há redes indissociáveis que ligam naturezas/sociedades e ecologias/políticas. Hoje, os seres humanos e os não humanos são resultantes de tantas misturas – naturais, artificiais, sociais, políticas, econômicas, científicas, discursivas – que, talvez, como em nenhum outro momento da História, se saiba com o que ou com quem se lida e se relaciona. Essa é uma questão central para que se possa (re)pensar os modos de ser, de estar e de agir no mundo. Objetivo: Nessa linha de raciocínio, o presente estudo objetiva ponderar sobre o novo coronavírus para pensar sobre a “ecologia política”, e interrogar a respeito das relações homem/natureza quando pensadas a partir de uma suposta “superioridade” humana. Método: A pesquisa proposta é de cunho qualitativo, com embasamento teórico-metodológico pautado pelo campo dos Estudos Culturais, em suas vertentes pós-estruturalistas. Resultados: Acerca do amplo problema de saúde posto em questão, no fim de 2019, essa forma mutante de vírus teve grande sucesso reprodutivo na China, ao conseguir espalhar-se velozmente pelo país com a maior população do mundo. Em menos de seis meses, esse ser – que não é sequer considerado um ser vivo pelos biólogos, em decorrência de não possuir a unidade básica da vida: a célula – conseguiu infectar seres humanos de todos os continentes, tipos de habitat e de clima, classes sociais, regimes políticos, sistemas econômicos, raças, etnias, crenças, culturas. Para esse vírus, não há limites: ele é pandêmico, não faz distinções, não tem preconceitos. Parte superior do formulário
Parte inferior do formulárioDesde março de 2020, o novo coronavírus é o assunto mais comentado do planeta: pela mídia, pelos cientistas, pelos políticos, pelos economistas, pelos ambientalistas. Não houve um só dia sem que se pensasse e que se falasse sobre ele. A cada dia ele está mais vivo. Tal ser desconhece, também, fronteiras simbólicas. Aqui está a grande novidade: nunca na História da Humanidade houve uma pandemia viral on-line. Um não humano foi capaz de tornar-se o centro das atenções humanas 24 horas por dia. Além disso, a tentativa de combate à COVID-19 tornou visível o irrisório investimento econômico de muitos governos em promoção, prevenção e tratamento de saúde pública – mormente, para as populações mais vulneráreis, muitas vezes, em ausência de mínimas condições sanitárias –, estreitando os problemas socioambientais, por exemplo, no Brasil. Por um lado, torna-se cada vez mais nítida a estratégia política de deixar morrer: grupos de risco, idosos, pobres, presos – indivíduos que colocam em risco a “pureza” da vida em geral da população; sujeitos com menos valia; pesos inertes para a continuidade operacional do sistema político/econômico. Nota-se um aumento da quantidade de categorias populacionais a não serem atendidas pelos mecanismos de segurança do Estado. Por conseguinte, há mais exclusão social, econômica, racial. Em outras palavras, há mais desigualdade, pois não é interessante atender a todos os indivíduos sem critério classificatório e seletivo. Simultaneamente, por outro lado, existe a necessidade de controle biopolítico da higiene coletiva, a fim de impedir ou de reduzir a transmissão do novo coronavírus para a população que, efetivamente, interessa – a que permite que o sistema político/econômico se mantenha ativo. Tem se, então, a dupla face do biopoder em operação: o poder sobre a vida (as políticas da vida biológica); e poder sobre a morte (a segregação). Considerações Finais: Em suma, pondera-se que a COVID-19, enquanto exemplo de introdução dos não humanos na política e crise de saúde pública global, faz emergir problemas/crises de diversas ordens: social, ambiental, política, econômica. Nessa perspectiva, retomo o questionamento inicial, deixando-o em aberto: por onde andará a dita “superioridade” humana, que se retira da natureza para estudá-la, controlá-la e utilizá-la; que se diz acima dos deuses, que tudo cria, que tudo resolve com a sua inteligência de “espécie mais evoluída”?
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Referências
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